Natanael (parte I)
Passando pelo viaduto da Beneficência Portuguesa, num dia de verão muito quente e sentindo aquela irritação costumeira que o sol batendo numa blusinha preta, fui caminhando com uma desatenção flutuante, como se passasse por um caminho de terra batida entre o roçar e o cheiro inebriante do capim-gordura. Que nada. Passava entre pessoas que, apressadas e atrasadas como todo bom paulistano, se davam de ombros uns contra os outros e sussurrando pedidos de desculpas para cada encontrão. Camelôs que se espremiam e disputavam os poucos centímetros de calçada, entre os pedestres e suas bancadas de produtos ilegais e sucos de laranja, café e bolinho de chuva. Alguns enfermeiros que, impecavelmente vestidos de branco da cabeça aos pés, eu suas sacolinhas com o almoço, engoliam a mistura de café com leite, servido em copo descartável, a tempo de trocar o plantão. A manhã era frenética.
Olhando o transito na Avenida 23 de Maio, os carros indo e vindo, quase tropeço em um homem que estava sentado com as costas encostadas na grade, com o olhar perdido entre o cenário que nos cercava e uma barraca de tapioca doce, com uma de suas pernas envolta em parafusos, grades e toda uma estrutura de aço cirúrgico, jazia uma perna praticamente perdida e gangrenada, que ele expunha como se orgulho tivesse, ao sol, aos olhos de quem tivesse apenas que olhar para o chão encardido.
Aquele olhar não ficou indiferente a mim, nem sua perna que estava praticamente em estado de putrefação, colada em um corpo ainda vivia.
Postei-me frente à este homem, que olhando bem sem meus óculos escuros obrigatórios, e perguntei se já havia comigo alguma coisa.
Ele disse que sim, havia comigo uma tapioca que o dono da barraca havia lhe vendido pela metade do preço, uma tapioca de leite-condensado.
Curiosa em saber quem era aquela alma que morava naquele infeliz corpo, perguntei seu nome. Natanael.
Natanael é de estatura mediana, pardo ou encardido, na consegui definir a tonalidade de sua pele devido à fuligem dos carros, feições de índio, cabelo desgrenhado castanho escuro, vestia camiseta e bermuda, a fim de mostrar seu infortúnio para quem sabe assim, fazer algum dinheiro.
Agachei diante de Natanael para conhecer sua história, e porque havia parado ali, o que acontecera à sua perna e quando ele tiraria aquela ferragem...
Natanael contou-me que tinha somente 32 anos, apesar de parecer um pouco mais velho, devido talvez ao sofrimento experimentado nos últimos anos na fria e péssima anfitriã Cidade de São Paulo. Imigrava do Nordeste do Brasil, Crato, cidade do interior do Ceará, para tentar vencer na vida na grande metrópole, e voltar vitorioso e falando: “Meuuuu”!
Chegou aqui com uma mala que fora de seu avô, duas sacolas e muitos sonhos. Sem destino certo, sem emprego em vista, sem lenço, porque um cabra nordestinho não chora, mas com documento.
Acabou indo se hospedar na casa de um amigo de seu vizinho na sua cidade natal, Natanael seguiu até o bairro periférico de Guainazes, onde tomou um banho depois de quase cinco dias dentro de um ônibus convencional e mal pode pregar seus olhos, sonhando acordado.
As cinco da manha estava desperto e saiu para procurar emprego, e espantosamente a sorte estava com ele naquele dia, com seguiu uma colocação como auxiliar de pedreiro numa construção ali por perto, o dia e a vida pareciam ganhas e Natanael acreditou um pouco mais em Deus.
2 comentários:
Essa Historia como todos os seus relatos, contada com uma perfeição absoluta!
Beijos Mil
Quase estava lá, ao te ler.
Uma história igual, mas diferente qdo vc conta... tristezas, esperanças e vontade.
Escreva mais!!!
Postar um comentário